terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ESTÓRIAS: Um homem prevenido vale...



Paramos o carro na Barraca do “profesor”. Beijos na mulher e nas filhas que, corajosamente, retornariam rumo à perigosa BR 101 com destino às – segundo eles e o Guia Quatro Rodas – belíssimas praias do sul de Santa Catarina. Para mim estava encerrando uma viagem de uma semana a Bombinhas.
A preparação desta viagem se fez após muitas consultas, reuniões, avenças e desavenças. O motivo de sempre: SEGURANÇA. Não abro mão da segurança. Para o restante da família, um exagero de minha parte, neura e que deveria – apesar de já ter passado dos cinqüenta – procurar um psicólogo, que isto não é vida e mais um rol de arrazoados. O namorado da mais nova chega a citar clássicos – Guimarães Rosa : “viver é perigoso”! Em livros e estórias tudo bem, penso eu, quem faz o final da estória ou do romance é o autor que o faz conforme quer. Perigo aí não há. Mas na vida real, aqui ao lado da perigosa BR101, acho que tenho mais é que cuidar de mim.
Assim acordou-se, após longas e intermináveis reuniões familiares, que eles iriam de carro para Bombinhas e eu de avião até Navegantes. Lá, no aeroporto, tomaria um táxi que - por um roteiro longa e meticulosamente estudado para fugir ao máximo da famigerada estrada – que me levaria até Bombinhas.
Na casa alugada junto à praia o de sempre: só ia ao mar das oito as dez lambuzado de protetor solar que me impedia de nadar; ainda bem, pensava eu, pois pode ser perigoso: câimbras, poços ou buracos em praia que não conheço e o medo desgraçado de siris.
Por que - penso sempre que vou ao mar - a indústria do turismo não inventou, ainda, praias acarpetadas? Tudo muito natural: carpetes cor de areia, coqueiros de plástico: nada de siris, caranguejos. Tudo igual a uma piscina, só que com ondas programadas: altas e fortes após as dez horas; das seis as oito, ondas leves, baixas...
Levava de casa – muito bem lavado – o limão e a caipirinha era feita na praia. Evita assim as bebidas de barracas, normalmente sujas, feitas sem as corretas normas de higiene.
- “A pinga mata os micróbios, pai” dizia mais velha, do alto de sua sabedoria de médica. Só que ela é pediatra e não deve entender nada de contaminação alimentar, penso eu. Levava de casa o limão, o açúcar a pinga e o gelo. Ta certo que, bravos com – segundo eles – meus excessos de segurança deixavam tudo por minha conta. E lá ia eu com a cesta para a praia. A mulher, às vezes solidária, ficava por perto:
- “Seu pai é assim e não vai mudar” dizia. Ta certo que longe deles, só para mim, confessava seu amor e compreensão mas entendia que ultimamente eu estava mesmo exagerando nesta estória de segurança. “Por isso que estou vivo, com saúde e de família criada” respondia e nem emburrar emburrava tão certo estava das minhas razões.
Apesar de ser horário de verão obedecia ao relógio: antes das dez já estava em casa. Banho de chuveiro, um bom livro, janelas fechadas para não entrar – junto com o sol – pernilongos e fazia hora para esperar o almoço.
Agora resolveram ir mais para o sul. Serão mais de duzentos quilômetros. Eu não: “Volto para São Paulo. Tenho lá coisas atrasadas que vou por em ordem”. E de nada adiantou os mil e um argumentos de que não havia perigo, que – caso eu fosse – viajaríamos bem cedo, fora do horário dos caminhoneiros, que os limites de velocidade não seriam ultrapassados e ...
Eles para um lado e eu para outro. Uns para o Sul e eu para o Norte.
Assim saímos cedo de Bombinhas rumo a Navegantes e para não ficar mais de duas horas no aeroporto resolvi ficar na Barraca do “profesor” ao lado de uma pequena estrada, há uns cinco ou seis quilômetros da cidade. Antes havia me certificado que de táxi até o aeroporto não se gasta mais dez minutos. Evitaria assim a chatice do pequeno aeroporto.
O “profesor”, dono da barraca, começou logo um bom papo. Como o assunto passou a ser segurança ele me falou do que o havia motivado a ir para esta nova vida de dono de barraca: “Floripa cresceu muito, está perigosa, a vida de professor está difícil, o governo paga mal e porcamente, os alunos não querem saber de estudar, só bagunçam e então resolvi: há dois meses deixei a capital, vendi a casa, pedi exoneração do estado e comprei esta barraca de caldo de cana”. Aliás a garapa ou, como hoje se prefere dizer, o caldo de cana estava ótimo. Tomei um com limão e outro com abacaxi. Bem gelado, no calor, descia maravilhosamente bem.
Foi um bom papo. Educado o “profesor” chamou o táxi que me levou até o aeroporto e o vôo foi calmo, em céu de brigadeiro, até São Paulo.
Após uma noite bem dormida e um reconfortante banho matinal vamos a mais uma rotina: uma xícara grande de café preto e a Folha de São Paulo. Só que desta vez, antes, telefonei para meu pessoal para ver como estavam:
- “Você está perdendo, o dia está lindo, muito sol e as praias do Sul são realmente maravilhosas”.
Beijos e abraços a todos e vamos ao que interessa: à Folha e à xícara de café preto.
No caderno Cotidiano a manchete da primeira página me dá calafrios: “São quatro os mortos pelo Mal de Chagas: a causa é garapa de cana contaminada em barracas próximas à cidade de Navegantes”.
SP: 28/01/06

8 comentários:

Anônimo disse...

E aí, Orlando?
Todo dia abro a lista para ver se você escreveu mais uma dessas deliciosas histórias. E, quando encontro uma nova, a leio com grande interesse. Lembro vagamente que, em um daqueles dias subindo morros e descendo barrancos Mantiqueira acima, você me disse que havia escrito ou tinha em mente escrever sobre algumas situações ou causos acontecidos com você. Mas imaginei que fosse mais um desejo do que uma realidade. Já vi que, para minha satisfação e a de muitos outros, estava enganado.
Alguém disse que a única coisa que podemos mudar na vida é o passado, pois cada vez que sobre ele nos debruçamos o transformamos, recriando-o. Desejo-lhe sucesso na re-criação de suas belas histórias, tão bem contadas...
Abraços.
Pablo

Morales disse...

Orlando...a praia de seus sonhos se não me engano já existe.

No Japão! Só faltou mencionar o "som da praia"(pagode,sertanejo, funk, rap)que geralmente é horroroso e não temos como escapar.

Morales disse...

Completando meu comentário anterior:

dê uma olhada na praia artificial do Japão acessando o endereço:
http://tinyurl.com/6ey5uf

Anônimo disse...

Amigo Pablo,

Subir "morros e descer barrancos da Mantiqueira", passear de moto, ouvir música e escrever histórias estão entre meus passatempos favoritos.Aliás, os melhores momentos para "pensar" histórias são as longas e solitárias caminhadas que estão me fazendo muita falta; assim, se quer mais histórias, vê se sara logo este pé para partirmos para inspiradoras e divertidas andanças.
Abraço forte,
Orlando.

Anônimo disse...

Tonhão,
Tá louco rapaz!
Apesar de meu real medo de siri ainda estou mais para Fernando de Noronha - que não conheço - ou para a nossa tão perto e lindíssima Ilha do Cardoso do que para esta praia do Japão.

Orlando.

Morales disse...

Ocorre que sua descrição bate com a praia do Japão:

"Por que - penso sempre que vou ao mar - a indústria do turismo não inventou, ainda, praias acarpetadas? Tudo muito natural: carpetes cor de areia, coqueiros de plástico: nada de siris, caranguejos. Tudo igual a uma piscina, só que com ondas programadas: altas e fortes após as dez horas; das seis as oito, ondas leves, baixas..."

Claro, entendi que estava dizendo isso em tom de galhofa!

Francisco Castro disse...

Olá, gostei muito do seu blog. Excelentes postagens.

Parabéns!

Abraços

Anônimo disse...

Boa tarde Francisco,
Muito obrigado pela visita e pelos comentários.
Abraços,
Orlando.