quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O primeiro soutien!




O primeiro soutien.....

...a gente nunca esquece.

Lembra dessa propaganda? Premiadíssima no Brasil e, parece, também fora do país, era de uma delicadeza só. Há muitas, na verdade, há um montão de “primeiras vezes” que a gente nunca esquece.
Eu, por exemplo, não consigo, nem quero, esquecer a primeira vez em que vi o mar...

Foi assim:
Tinha lá meus dezessete anos, morava no interior, em Ribeirão Preto, estava prestes a me formar professor primário e cuidar da vida. Tinha um irmão, o Antônio, que trabalhava em Cubatão, na Cosipa, operando aquelas pesadas e desajeitadas máquinas motoniveladoras. Era meu padrinho de crisma e tinha uma alma boníssima.
Em suas visitas a Ribeirão, conversávamos muito e ele havia prometido me levar, qualquer dia daqueles, para ver o mar, em Santos. Finalmente, o dia chegou. Numas férias de dezembro, tomamos ônibus da Viação Cometa com destino a São Paulo, e, de São Paulo, também de Cometa, fomos até Cubatão, onde ele morava. Eu, excitadíssimo, pois, finalmente, iria matar a vontade, segundo ele, meio boba, de ver o mar:
- “Não tem nada demais, é um montão d´água. Bom mesmo são as mulheres quase peladas que tem por lá, tomando banho”.
Eu, mais interessado no tal montão d´água:
- “Maior que o Rio Grande?”
- “Muito maior, sem comparação; não se vê o fim”.
- “Deve, então, ser igual ao Amazonas, que tem lugar onde não se vê a outra margem, de tão grande, isso eu vi nos livros de Geografia”.
- “É, mas a água é salgada.”

Esta história da primeira vez em que vi o mar tem, dentro dela, um monte de outras “primeiras vezes”. Explico: foi também a primeira vez em que viajei em estrada de pista dupla, pela antiga e velha Anhanguera, que, naqueles tempos, tinha pista dupla de Campinas a São Paulo. Inesquecível, para mim, aquela noite: uma pista, a do nosso ônibus, com as luzinhas vermelhas dos carros que iam e, do outro lado, separada por um canteiro, a outra pista, com os faróis amarelos dos carros que vinham. Meu irmão dormia e eu, muito aceso, encantado com tantas luzes e com a beleza daquela estrada.
Foi, também, a primeira vez em que vi São Paulo. Lembro-me de como estava a Avenida São João, naquela madrugada meio escura, com as lâmpadas acesas, e uma garoazinha que, parece, hoje, não tem mais.
Claro, foi a primeira vez, também, em que, de ônibus, desci a Anchieta com destino a Cubatão. Além da pista dupla, naquela viagem com tantas novidades, inimaginável a sensação de descer a Anchieta; o ônibus lá naquelas alturas, a gente tudo vendo abaixo: os vales, as curvas, pequenas cachoeiras e, me lembro, uma enorme garrafa de Tatuzinho lá “embaixão”, entre as árvores, no meio da mata. Numa época em que o verde e o ecologicamente correto ainda não eram alvos de sérias preocupações e bandeiras, aquela garrafa de pinga, do tamanho de uma casa ou maior ainda, plantada junto às árvores, lá no meio da mata, era um encantamento e uma magia só.
Chegamos a Cubatão, onde meu irmão morava em uma pensão “para homens”: todos trabalhadores braçais, a maioria migrantes do nordeste ou do interior de São Paulo, como meu irmão. Lá, ganhavam a vida e viviam, jogando muita sinuca, baralho, bebendo pinga com cinzano e freqüentando a zona de meretrício, na cidadezinha de Piassaguera: “mais barata que a putas lá de Santos”, que, segundo eles, eram muito chiques e careiras, mas, “tão bonitas que nem putas parecem”.
Chegamos no domingo, na hora do almoço, e, na segunda, logo de manhãzinha, fui enfiado no caminhão de peões que ia para a Cosipa. No meio do caminho, em Casqueiro, atendendo a um sinal que meu irmão fez, o motorista parou o caminhão e o Antônio me orientou em como fazer para chegar à praia:
- “Aqui você desce, toma logo um ônibus para Santos; peça para o motorista te deixar na praça perto da rodoviária e, de lá, toma um outro ônibus escrito Praias.”
E me deu uns trocados. Fiz tudo direitinho e deu tudo certo; certo até demais: da rodoviária para a praia, tomei não um ônibus igual ao que estava acostumado em Ribeirão, mas um trolebus, que me fez sentir importante e crente que fazia o que havia de melhor. Eu lá naquele trolebus todo aberto, sem paredes e com o cobrador batendo um martelinho nos ferros, fazendo barulho - Plim! Plim! Plim!, cobrando as passagens.
Assim, nesta coleção de “primeiras vezes” que acompanha a primeira vez em que vi o mar, teve mais esta também: a primeira vez que andei de trolebus. E eu, de tão encantado com aquele ônibus sobre trilhos de trem, com os olhos e ouvidos curiosos por aquela cidade tão nova, não percebia que tudo se passava tão depressa; sem mais nem menos, estava em uma avenida em frente à praia do Gonzaga.
Desci.
O mar enorme em minha frente.
Atravessei a avenida e me preparei.
O mar, enorme, tocando o céu lá no fim...sem limites de tamanho, sem a margem do outro lado, como o Amazonas. Nunca tinha visto nada tão grande assim.
Sob as calças, o calção de banho que minha irmã havia feito para mim. Tirei os sapatos, a calça e a camisa, dobrei-as cuidadosamente, fiz com elas um pacote, que coloquei junto à guia da calçada, na areia do mar.
Ainda era muito cedo: na praia e no mar, eu e minha trouxinha de roupas, mais ninguém.
Deixei meu pacote na beira da calçada e fui caminhando pela areia, em direção ao mar. Na frente, aquele infinito de águas. A todo momento, voltava o olhar para vigiar meu pacote de roupas, que ia ficando menorzinho, lá longe, longe...
As espumantes e mornas águas do mar tocaram meus pés.
No interior, para os que já tinham ido ao mar e para os que, como eu, nunca tinham ido, o que se falava, e era dado como certo, era que as ondas deveriam ser puladas: senão, era tombo na certa, com possíveis afogamentos e outras mazelas.
Será que é mesmo salgada, a água? Uma vontade louca de experimentar!
Coragem!
Pés na água: batismo de fogo!
Enfim, era o nunca visto mar, o Oceano Atlântico dos livros de Geografia, o marzão de Deus, que não tinha fim, logo ali na frente, encostado, ao meu alcance, real.
Tudo de verdade, não se via,mesmo, o fim: incrível!
As primeiras ondas, hoje sei que ridiculamente pequenas, com seus vinte ou trinta centímetros, eram mais do que puladas: eram, rigorosamente, saltadas. Devagarinho, e sempre pulando e saltando todas, a coragem só deu para ir até ficar com a água na altura dos joelhos. Mesmo pulando todas as ondas, com medo de me afogar ou de ser por elas levado não sei para onde, dava tempo para ver o mar sem fim no horizonte; ao lado, uma ilha que, depois, descobri que era a Pochat; em arroubos de coragem, olhava para trás e, à procura de minha trouxa de roupas, via prédios tão altos, de muitos e muitos andares, difícil até de contar, lindos, coloridos.
Estava lá, com a água na canela, pulando corajosamente as ondas, até que chega
à praia um senhor, meu futuro amigo de praia, o Seu Mário, de Sorocaba, que
estava de férias por lá. Já vinha de calção e percebi que foi calmamente
caminhando pela água, atravessando, e não pulando, as pequenas ondas até ter a
água na altura dos peitos.
Tudo que ele fazia eu, por perto, imitava.
Foi assim que aprendi a delícia de mergulhar e furar a onda, a gostosura de boiar e ela me carregar devagarinho, como num colchão enorme; o céu lá em cima, azul, e eu quase a alcançá-lo, de tão altas eram as ondas... Fui até mais fundo e, agora cheio de coragem, olhei para os lados e, como não havia ninguém, além do Seu Mário, bebi um pouco d´água para ver se era mesmo salgada.
Surpresa: era salgada, e bastante!
Bebi mais.
Puxei conversa e muito falei com o atencioso Seu Mário; fui para a água, pulei e furei ondas; boiei e nadei desajeitamente; voltei ao mar infinitas vezes; tornei a boiar, nadar e provar a água para comprovar e poder, depois, contar para todos que era mesmo um mundão de água salgada.
Chega à praia um bando de rapazes, monta-se lá um time de futebol. Participo da pelada e logo já era convidado para, no domingo, jogar com eles, contra um time de uma outra praia.
Fiquei o dia todo na praia. Comi duas coxinhas de frango, tomei um guaraná; à tarde, tomei de novo o trolebus até a rodoviária e, de lá, um ônibus para Cubatão. À noite, eu estava louco para contar tanta novidade para meu irmão e ele interessado em jogar sinuca, a dinheiro, com um “baiano novo”. O remédio era ir deitar, não para dormir: ir para a cama, contar e recontar para mim e para todos e, assim, reviver tantas novidades ...
Cansado, dormi logo.
No outro dia, senhor da situação, passei o dia todo na praia. Entrei calmamente n´água, deixando as pequenas ondas roçarem minha canela e fui até a água chegar no peito: aí, boiei e furei as ondas. Revi o Seu Mário, que me pagou um pastel com guaraná. Joguei bola e me senti em casa, com aquele marzão de Deus na minha frente.
Vida boa, pensava.

E tem mais uma “primeira vez” que quer contar: a primeira vez em que andei de avião.
Foi num Caravelle da Cruzeiro do Sul.
Quando hoje penso que meu netinho, de 10 meses, já andou de avião, fico a imaginar o quanto está desatualizada esta história. Mas era assim. As grandes companhias de aviação, na época, eram a Varig, a Cruzeiro do Sul e a Vasp. Havia outras menores.
O Caravelle era o Boeing de hoje: moderno, grande e confortável, se é possível conforto em classe econômica de avião; isso já um enjoamento meu, de hoje, porque naquele dia, ou melhor, naquela noite eu achava tudo muito, mas muito confortável mesmo. Como o começo desta história tem origem em uma propaganda, a do Caravelle era também bonita e, até hoje, recordo e, mesmo, me pego cantando: “No ar, mais um Caravelle da Cruzeiro do Sul, a bordo, tudo azul”.
Estava já no segundo ano de Pedagogia e, graças a uma experiência como professor primário, fui convidado a desenvolver um trabalho para a Secretaria de Educação de um estado do Norte. O pagamento pelo trabalho de um mês era uma viagem de avião e hospedagem em um hotel três estrelas, com tudo pago: mais do que suficiente, para mim, na época.
A viagem programada inicialmente era para um vôo de mais de oito horas de duração, em uma companhia estatal de aviação do estado do Pará, com escalas no Rio, Brasília, São Luís do Maranhão e muito mais. O avião era um Hirondelle e, para efeitos de comparação, alguma coisa como um Folker 100, dos dias de hoje. Para minha decepção, fui informado, uns dias antes da viagem, de que o vôo seria cancelado e que embarcaríamos no Caravelle da Cruzeiro do Sul, com apenas uma escala no Rio de Janeiro e, depois, direto até Belém do Pará. Além do monte de escalas e de cidades que pensava em conhecer, o pior, para mim, naquela mudança: o vôo seria noturno e eu não veria, do alto, os rios, as fazendas, as cidades e tudo o mais que minha imaginação permitia.
Mas...não teve jeito e vamos lá.
Eis-me em Congonhas, ansioso, aguardando a chamada para embarque e, de tão excitado, quase não acreditando em tudo aquilo: bom demais!
Pouco depois, já estava dentro do Caravelle; tomei meu lugar e obedecia a todos os comandos, reais ou imaginários: “apertem os cintos”; desajeitado, eu os apertava; “levantem o banco”, e, rapidamente, já o fazia.
As aeromoças eram lindas e o avião, maravilhoso. Clima hollywoodiano: quem estava a poucos metros de mim? Ninguém menos que a Divina Elizete Cardoso: linda, negra, quieta e calma. Dava para acreditar? Eu, viajando de avião e, mais que isso, ao lado da Divina?
A enorme máquina sobe, toma conta do céu. Eu lá pensando em como contar daquela experiência que, de tão calma, estava ficando chata. Nada acontecia.
E o pior é que era verdade que o copo com guaraná podia ficar na mesinha e que não derramava, de tão “macio” era o vôo; também era verdade que estávamos a mais de quatrocentos quilômetros por hora. Tudo era verdade: comida gostosa, quando...turbulência! Eu, assustado, me vi agarrando, com força, os braços do banco; olhei para todos os lados, antes de pedir ajuda a Deus, e vejo lá, calma e linda a Elizete: serena, corpo ereto, olhos abertos e um pré-sorriso em seu rosto de deusa africana.
A turbulência foi coisa de segundos e eu pude voltar para a minha refeição; e, envergonhado, sempre que dava, voltar a olhar para a Divina e ver se ela havia percebido todo o meu medo.
Peço um autógrafo? Falo que adoro sua voz e que a vi no Municipal, cantando as bachianas do Villa?
A Divina desceu no Rio e a timidez me impediu de ganhar o almejado autógrafo. Bem mais tarde, em um outro vôo, agora já mais experiente, deixei de lado a timidez e bati um longo papo com o Elomar, arquiteto e cantor baiano arretado, dos bons.
A volta de Belém se deu no Hirondelle, em vôo diurno; o avião parava em várias cidades, “não pode ver porteira aberta que para”, segundo um mal humorado passageiro ao meu lado.
Eu lá, gostando de ver, do alto, as nuvenzinhas, as cidades, os rios, e de brincar de adivinhar onde eu estava, no mapa do Brasil.
Foi assim.

4 comentários:

Morales disse...

Pois é Orlando, eu também só fui ver o mar lá pelos meus 15 anos. Naquele tempo isso era muito comum principalmente para gente "sem posses" que morava no interior-na roça ou em pequenas cidades, como é o nosso caso. E foi uma experiência e tanto, e como você não consigo nem quero esquecer.

E também foi em Santos, com passagem por São Paulo que vi pela primeira vez, como você. E foram igualmente uma porção de primeiras vezes! Só que minha viagem foi todinha de trem, como era de se esperar de um filho e neto de ferroviários!

Anônimo disse...

Olá Tonhão,
Bom dia!
Também não quero esquecer! Sabe que ontem à tarde, em minhas solitárias andanças por aqui, onde moro, me peguei gargalhando ao relembrar a altura dos pulos que dei para superar as "marolinhas" lá na praia do Gonzaga.
E por falar em marolinhas espero que a tal crise não passe disso - uma marolinha - como quer o nosso presidente! Assim, não vamos gastar nossos esforços para grandes pulos apenas para "furar" mais esta marola!
Abraços,
Orlando.

Morales disse...

Tenho uma foto daquelas em branco e preto dessa primeira vez na praia em Santos, que poderia ser intitulada " os caipiras na praia".

Nela aparecem: eu, meu pai e um primo que morava em São Paulo, este já com pinta de "gente da cidade grande".

Também espero que essa crise seja mesmo uma marolinha, para que possamos dar apenas uns pulinhos e voltarmos "ilesos" para a "praia".

Cássia disse...

A primeira vez que vi o mar? Não lembro, devia ter um ou dois anos.
O primeiro soutien também não me deixou lembranças...
Já a aprimeira vez que andei de avião, tinha seis anos, o destino era uma longa e inesquecível viagem ao nordeste, onde provei muita coisam e ouvi muitos termos diferentes. Mainha foi um deles e hoje é assim que chamo minha mãe. Outra coisa foi o ôtcho e o mutcho de sergipe. Achava muito engraçado.
Mas a segunda vez foi mais inesquecível, pois 15 anos depois o destino era Londres e esta sim, foi uma viagem recheada de muitas primeiras vezes!