Tem um pouco a ver com rodeios, esta historinha que vou contar.
Mas nada a ver com os rodeios de hoje, de peões famosos com curtíssimo tempo para ficar montado nos gordos bois...
Nada disso.
“Se não era assim, como era então?”
Muito mais simples.
De repente, sem muito alarde, chegava na cidade, em um caminhão velho, paus e tábuas e gentes para mais um rodeio. Escolhido o terreno tinha início à montagem do “picadeiro”, como era chamado; na verdade uma pequena arena circular e, à sua volta, os andaimes com as tábuas colocadas em degraus onde as pessoas se acomodavam para os espetáculos que ocorriam , normalmente, no início da noite, exceto aos sábados onde havia os rodeios diurnos.
No caminhão, entre as gentes, além dos operários que montavam o picadeiro e cuidavam de sua manutenção, precária, diga-se de passagem, vinham dois ou três peões que realizavam as montarias. Nos espetáculos, além desses, digamos, peões profissionais, havia os peões locais, domadores de cavalos e de burros da região, convidados a montar as novilhas, garrotes ou os bois e cavalos bravos, também selecionados nas fazendas e sítios da região.
Muitos destes rodeios traziam um animal treinado para saltar. Do rodeio que estou falando veio a besta Ruana. Alta, elegante no porte, com longas pernas que deviam lhe dar os famosos “sete palmos de altura”, da famosa Mula Preta da canção, que não tinha como não ficar assobiando quando se chegava para o espetáculo.
Ruana era menos famosa que sua amiga Mula Preta, mas ninguém parava sobre ela e até música ela já tinha merecido.
“Música, como a da Mula Preta?”
Sim, música mesmo, tocada e cantada nos rádios, mais mesmo nos programas da Rádio Nacional as segunda, quarta e sextas, comandados pelos famosos Torres, Florêncio e Nininho. Da letra toda, direitinho, não me lembro, mas guardo bem na memória que falava e enaltecia a beleza da Ruana e da fama que sobre seu dorso peão nenhum conseguia ficar nem três segundos.
Dito e feito: no primeiro rodeio Chupança, o mais famoso da cidade, montou a besta, segurou forte no “sofrete”, ajeitou e fincou suas pernas fortes meio no peito e sob as longas pernas dianteiras da mula, tirou o chapéu e fez o sinal da cruz e, com a cabeça avisou ao dono da Ruana, dizendo com aquele meneio de cabeça, que estava pronto para enfrentar os saltos da Ruana.
E lá se foi:
- “Pula, Ruana!”, gritou seu dono.
E a bela mula, que até então obediente aguardava a ordem de comando, se transformou imediatamente; seus olhos antes tão doces agora soltando faíscas, e, como um raio de tão rápida saracoteou, deu um salto enorme e ainda no ar, deu um volteio jogando em terra o bravo Chupança.
Caiu o Chupança, depois foi a vez de cair o Santista, veio de Franca o Pernambuco que também caiu...
O único que permanecia sobre o lombo da besta, após a ordem “Pula, Ruana!” era ou o seu dono ou um peão e tratador da Ruana que acompanhava o rodeio. Estes dois sacolejavam e acompanhavam com o corpo retorcido os volteios e os saracoteios da Ruana, se contorciam todo agarrados ao sofrete mais que os três segundos, e se agüentavam até o berro “Pára, Ruana!”, dado em alto tom pelo seu dono, este o único a quem a besta obedecia.
Só depois de ouvir a ordem é que Ruana parava de pular e outra vez se travestir em um calmo e doce animal.
E foi assim que começou o outro o pedaço desta história.
Alguns meses depois da passagem da Ruana pela cidade, um colega de classe, com quem estudava na segunda série do Ginásio, me abordou na hora do intervalo, e entre uma tragada e outra de um cigarro Continental sem filtro:
- “Treinei a Goiabada para saltar igualzinho a Ruana. Não quer ir montar lá em casa no domingo?”
Fui.
O sítio onde morava Dirceu, dono da Goiabada, era próximo ao de meu cunhado e assim, sábado à tarde, após a aula lá fui eu. Domingo bem de manhã fui para o sítio do colega e mal chegando em sua casa, ansiosos, fomos para o pasto buscar a Goiabada.
Nada a ver com a bela Ruana. Goiabada era uma potranca alazã de pelos longos, raquítica, olhar inocente, crina mal feita, pequena, com um peitoril acanhado...
Espiga de milho nas mãos e Goiabada não resiste ao “Vem, Goiabada” do Dirceu.
No curral, agora já com uns cinco ou seis adolescentes, vai ter início o rodeio. Um sofrete de cordas é amarrado na pequena potranca, passando pelas suas pernas da frente, dando uma volta até o início de suas crinas, onde uma pequena argola feita com a mesma corda servia como ponto de apoio para se segurar. Todos queriam ser o primeiro. Sorteio foi a solução. Ganhou o Alcebíades.
Foi o primeiro a cair. Montou, agarrou-se ao sofrete, e, imitando os peões “de verdade”, fez o sinal da cruz e, logo após ter se benzido, fez com a cabeça o sinal que estava pronto.
- “Pula Goiabada”, gritou Dirceu.
A pequena e raquítica Goiabada se transformava na besta Ruana: obedeceu à ordem, tirando todas as forças do fundo de seu corpo frágil, deu um salto alto e longo e antes de por as patas no chão, ainda no ar, realizou o saracoteio fatal.
Pimba: chão.
O próximo foi o Agostinho, já maiorzinho, e que havia treinado montando em bezerros chucros no curral da a fazenda do pai.
O mesmo ritual de montagem e benzimento foi realizado.
- “Pula Goiabada!”
Também, já no primeiro salto, Agostinho foi ao chão.
A grande diferença entre o salto de um animal treinado e de um xucro pode ser resumida na forma. O animal xucro salta sempre para frente, com saltos médios de altura média, mais extensos seguindo determinada direção. E é aí que surge a diferença básica entre permanecer no lombo deste animal e de um treinado em saltar: o inusitado. O animal de rodeio, treinado para isso, realiza um salto menos extenso, porém mais alto, o que lhe dá condições de um saracoteio em pleno ar; este volteio no ar aliado à imprevisibilidade da direção, ao inusitado de novos e diferentes saracoteios é o que subjuga o domador e o derruba.
- “Sim, pensei, é a isso que devo estar atento, na minha vez.” ·Muito seguro montei, agarrei o sofrete, apertei minhas curtas pernas em seu peito, fiz o sinal da cruz e, àquela hora me sentindo o próprio Hopalang Cassid, ou o Durango Kid, sinalizei com a cabeça ao Dirceu que já estava pronto.
- “Pula Goiabada!”
Durou pouco minha fantasia de Durango Kid: ao primeiro salto e meneio, fui ao chão.
- “Impossível este tombo. Que fiz de errado? Vou de novo”.
Outra rodada, chega minha vez e um novo tombo.
E assim foram vários domingos e domingos. A rotina se estabeleceu. De cá eu sempre achando que “agora, desta vez, não caio e agüento” e de lá a teimosa Goiabada me desmentindo e me pondo ao chão antes dos fatais três segundos.
Apenas Dirceu parava sobre a Goiabada.
Se apenas os treinadores param sobre o lombo das Ruanas e das Goiabadas, concluí que a solução seria treinar um animal e, na falta de uma potranca e para me treinar na função de treinador, comecei treinando cachorrinhos a “sentar”, a deitar de costas, a dar as mãos, estas coisas.
Agora, velho e aposentado, passei a treinar jacutingas para virem comer em minhas mãos. Bem menos perigoso, penso.
2 comentários:
Pois é Orlando...esta semana mesmo conversávamos sobre os rodeios atuais. Pura barbárie. Torturam os pobres animais. O rodeio é um grande negócio e em nome disso tudo pode. Aqui em Bauru estava em vigor um lei municipal que proibiu o uso de animais em espetáculos e portanto em rodeios. Contudo como tem gente poderosa envolvida houve muito lobby e um vereador canalha conseguiu aprovar um substitutivo abolindo a proibição. Resultado: a barbárie dos rodeios está de volta!
oi seu Orlando, nem sempre consigo ler suas histórias. mas, quando o faço, me arrependo das que perdi. são sempre lindas e tão afetivas. abraços. Maurício Pedro.
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