Fiquei quieto, mudo, sem respirar – um infinito tempo -, enfiado
ali dentro da cova, o corpo do Tramela pesando em cima de mim, aquele defunto
corpo fazendo as vezes de um protetor escudo, suas carnes e sua armadura de
ossos segurando – dentro dele - os balaços que o macaco desferiu para comprovar
que todos ali estavam mortos com as almas escapulidas dos corpos, e eu quieto:
medo de respirar e os macacos escutarem o som do pulmão, a garganta seca de sede
e de medo, as mãos trêmulas e os ouvidos atentos, ligados no lá fora da cova, carecia
de saber se os macacos tinham mesmo ido embora, não escutava mais seus passos,
seus tossidos secos, suas cusparadas de nojo e nem o barulho -“tracscratch” -
de quando armavam suas metralhadoras, balas em pente, finas balas alojadas - enfiadas
ao lado do coração dos corpos dos sertanejos de rostos secos, olhos mortos,
embaçados olhos, dentes à mostra, a roxa língua cobrindo parte do lábio
inferior, mortos. E eu comigo e com meus pensamentos: tenho que, o quanto
antes, em antes que seja por demais tarde, sair daqui e ir até o casebre em
Canudos: catar no meio da parede de pau a pique, um canudo de bambu e dentro
dele, enfiado, um bolo com todos os dinheiros que tinha ganhado na venda dos
gados dos meus tempos de vaqueiro, o bolo de dinheiro estava ali, protegido,
dinheiros de anos de trabalhos e de negócios e eu resolvi, ali, nos fundos
daquela cova, que ia lá catar o que era meu e seguir a vida, cair na estrada,
buscar o destino para onde apontasse meu nariz, nariz obediente aos cheiros dos
ventos e olhos ao brilhar das estrelas; ia – de novo - buscar a vida mundo
afora: uma certeza eu tinha, uma ao menos: não mais ia viver a vida de
vaqueiro, isolado do mundo, vida sem escutar vozes e choros, isso não queria
mais não e eu também sabia um pouco desiludido – no agora daquelas horas, ali
na cova – que os tempos dos milagres haviam se finados: nos mundos de então as
balas – desrespeitavam pedidos e rezas e acordos – e se enfiavam corpo adentro dos
vivos e tocando lá dos seus fundos a alma, que lépida, fugia à caça de novos
corpos, vidas mais duradouras, cansadas almas.
Chegou uma hora em que ouvi demais o silêncio e resolvi
que era hora de ir até o casebre de Canudos, buscar o que era meu: devagar, sem
fazer barulho, tirei meu corpo debaixo do Tramela, alevantei-me e vi que o sol
estava querendo começar a cair pros lados do poente, devia ser coisa de três ou
quatro horas da tarde, nas em outubro os dias são longos, tem claridade até as
seis e meia, os depois da ave-maria ainda claro, e atirei o corpo fora da cova,
lá dentro os mortos defuntos, catei a pá e cobri os corpos com a seca terra e
as pedras que serviram de balaustrada, carecia de proteger dos urubus e dos
carcarás e dos tatus pegas comedores de carne de defunto; escuto um tiro: as
metralhadoras dos macacos, lá longe, bem longe se escuta: brummm! tiro de
metralhadora, e corri dali, o estômago roncando de fome, a garganta seca,
carecendo de beber água, lá em Canudos bebo, tenho que sair daqui.
Canudos era um amontoado de corpos: um cemitério de
corpos jogados, não cobertos: vivo apenas velhos e crianças, chorando de fome,
as enormes barrigas cheias de lombrigas, os olhinhos remelentos: cadê minha mãe;
deus levou, fique aqui quieto; quero minha mãe; quieto menino de deus, quieto...
Na sala do casebre três corpos sertanejos, armas e porrete nas mãos, mosquitos
verdes e azuis cobrindo os rostos e comecei a esburacar com a ponta de uma faca
a parede para achar o bambu com meus dinheiros e escutei vindo de fora, passos
e me deitei junto aos corpos dos defuntos e fiquei ali, mais uma vez morto
entre mortos e o macaco chega, abre a cortina de chita da janela para melhor
enxergar o lá de dentro, arma na mão, cospe em cima dos corpos, tem nojo
daquilo: inda bem que acabou a guerra!; e inspeciona os corpos com a ponta da
bota, chuta as costelas e os corpos não respondem, mortos, livres das almas e o
soldado resolve ir embora, muita desgraça, deve ter pensado, vira de costas, o
pescoço branco descoberto, o chapéu caído e - rápido, sem pensar – enfio a faca
certeira abrindo espaço entre os ossos e a jugular: te mato desgraçado, morre
filho da puta de macaco e o peso do meu corpo ajudando a faca a buscar a veia
da vida, o sangue jorrando em meus braços, vermelho sangue e o urro do soldado
macaco caído, a morre urrando igual a um lobo em noite de lua cheia... depois, o
silêncio.
Com a faca, suja de sangue, continuei a procurar o toco de
bambu enfiado na parede de barro com meus dinheiros: será que o Nenzão sabia e
catou meu dinheiro, não é hora de fazer maus pensamentos dos amigos, deus
castiga e a faca encontra o duro bambu meio ao seco barro: plec! plec!
arranquei o toco de bambu com meus dinheiros, o dia estava se cansando de
clarear, a noite chegava com sua escuridão e em Canudos regia o mortal silêncio:
o sino da estilhaçada igreja, a torre ao chão não tocou chamando o povo para as
ave-marias, cadê o Bentinho? cadê o Conselheiro? por onde será que anda o Pajeú.
No alto do morro da Favela as barracas dos macacos
iluminadas pelos lampiões a querosene: tirei minha roupa de vaqueiro, vesti a
farda do soldado, me tornei um macaco, e caminhei em direção à claridade das barracas!
Um comentário:
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