sexta-feira, 3 de junho de 2011

O CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS -1–OS JOVENS E A PUETA DEL SOL

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Dedicado ao Antônio, à Catarina e ao Francisco: netinhos queridos.

Foram por volta de 760 quilômetros percorridos em mais de trinta dias de andanças pela região norte da Espanha e um tiquinho de nada da França; a andança pela França, na verdade, foi mais para botar banca e dizer que se Aníbal e seus elefantes venceram os Alpes eu, com o peso da mochila, subi, desci e “atravessei” os Pirineus.
O resultado, então, são histórias para contar, memórias a resgatar, cheiros e paladares que teimam reviver, amizades feitas que são mentalmente revisitadas, ventos, montanhas, albergues, casas de pedra...
Por onde começar?
Pelo início diria meu tio Olímpio, quando eu, ansioso, iniciava uma história pelo meio, ou pelo fim, tornando-a incompreensível: “comece pelo começo: é sempre assim que se conta, sem nenhuma pressa, uma história”.
Desta feita não vou acatar: iniciarei pelo fim. Começarei esta história por Santiago de Compostela, final da caminhada, e não por St. Jean Pierre de Port, onde iniciei esta aventura.
Cheguei, cansado, claro, a Santiago de Compostela onde fiquei, por dois dias, alojado no elegante Albergue do Seminário Menor. E foi em um passeio na Plaza Mayor que vi, encantado, jovens com seus celulares acampados em pequenas barracas Kechua, montadas sob o sol ardente no meio de tão ampla e interminável praça.
Antes de continuar um pequeno parêntese. Não li jornal e não acessei a internet durante o percurso do Caminho e as ligações telefônicas que fiz para o Brasil foram feitas para matar a saudade da família. Fiquei, então, mais desinformado do que costumo ser e o mundo, indiferente à minha ignorância, continuou girando. Fecham-se os parênteses.
A curiosidade a respeito dos jovens acampados em plena Praça Maior durou pouco: “são jovens estudantes que protestam contra os políticos e contra os bancos. Combinaram tudo pela internet”, interrompeu-me o Sr. Oto, um velho alemão, mochila ainda às costas, com o qual havia me encontrado algumas vezes durante o caminho. O convite para um café e a garantia de uma boa prosa calou mais forte que a curiosidade em relação a tão inusitado acampamento.
A viagem de Santiago de Compostela para Madri foi em um trem noturno. Saí de Santiago às 22h30min horas e cheguei a Madri às 08h05min da manhã seguinte.
E é aqui, na estação ferroviária, que de verdade começa esta história. Depois de um café me dirigi ao Serviço de Atendimento ao Cliente da Rede Ferroviária onde fui atendido por um funcionário mal humorado:
- “Estou chegando de Santiago de Compostela e gostaria de saber se há, nesta estação, um serviço de orientação ao turista; preciso de ajuda para escolha de acomodação.”, educadamente falei.
- “Não há”, respondeu sem retirar o olho da tela do computador em sua frente.
- “E o senhor poderia me dizer onde encontro este serviço?”
- “Não.”
Indignado com tamanha indelicadeza, estava ainda a imaginar como faria para obter a informação que necessitava quando fui abordado por um jovem rapaz:
- “O Serviço de Orientação ao Turista está na estação Puerta Del Sol. Lá o senhor encontra as informações a respeito de albergues, pensões e hotéis”, disse o rapaz ao mesmo tempo em que solicitava a sua companheira um mapa do metrô para me orientar. A mesma não tinha o mapa e eu agradeci ao rapaz informando que conhecia mais ou menos o metrô e que não se preocupasse. “Estação Puerta Del Sol, não se esqueça”, e correu para alcançar a namorada apressada.
No metrô ajeitei-me, com a mochila às costas e o mapa sobre as pernas para estudar as conexões que teria que fazer. Na estação seguinte à qual eu havia tomado o metrô senta ao meu lado um jovem e começamos a nos falar.
“Puerta Del Sol? Na estação Novos Ministérios o senhor desce e pega a linha dois, vermelha. Se não me engano é a quarta estação em direção a Las Rosas. Cuidado com esta máquina fotográfica: a Puerta Del sol está lotada de gente por causa do movimento dos estudantes.”, disse solícito o jovem rapaz.
- “Em Santiago de Compostela estavam acampados, protestando na Praça Maior. Fiquei sabendo que o movimento foi combinado pela internet. É isso mesmo?”, perguntei.
- “Sim, é isso mesmo. Mas aqui, em Madri, o movimento está muito forte.”
- “E os estudantes protestam contra o que?”, perguntei.
- “Somos contra os políticos corruptos e contra os bancos que nos roubam. Cuidado com esta máquina, a praça está cheia. Adeus!”, falou enquanto descia em uma estação para tomar outro rumo.
Eram um pouco mais de nove horas da manhã quando desci na Puerta Del Sol.
Impossível de se ver o calçamento da praça: todos os seus mínimos centímetros estavam ocupados por barracas, cartazes e jovens: uma imensidão de jovens que falavam, cantavam, dormiam, tocavam violão, namoravam.
Na verdade o Serviço de Orientação ao Turista fica na Praça Maior e fui orientado em como lá chegar. Fui atendido por uma bonita e sorridente funcionária. A bela moça ao ver um velho com cara de cansado, mochila às costas, resolveu por sua conta e risco que meu lugar seria um albergue. Forneceu-me a lista dos albergues – poucos – da cidade e orientou-me para que eu telefonasse para verificar onde encontraria vaga: “Telefone público o senhor encontra na Porta do Sol”, disse a sorridente e tão bela funcionária.
De novo na Porta do Sol e eu, com dificuldade para manipular o telefone público tão cheio de possibilidades: carregar cartão, enviar MSN, fazer uma chamada; e eu bem que tentei e tentei, queria apenas fazer e tão somente fazer uma chamada para um albergue. Novamente sou socorrido por um jovem: este agora de longos cabelos enrolados, daqueles que lembram os jovens baianos.
Sorte minha: havia vaga em um albergue, o primeiro da lista que havia escolhido, dado sua proximidade com o Metrô. Mas antes de tomar o Metrô para ir ao albergue passeio, maravilhado, pela Porta do Sol: tanta juventude, tantas barracas, o sol forte no céu azul encheram-me de forças, sumiram com meu cansaço fazendo com que eu me sentisse como que embriagado por intensa felicidade.
Voltei à Porta do Sol à tarde.
A praça fervia. Em uma barracas ofereciam água aos passantes, em outra - a Barraca das Artes – os participantes tinham pincel, papel e cartolina para fazer cartazes, em outra “bocadilhos” de queijo eram oferecidos, em outra – extrema luxúria – duas belíssimas estudantes faziam e ofereciam chá de ervas, pode? ; bem no meio da praça corria solta uma barulhenta assembléia: “Palavra de ordem” pensei saudoso das assembléias que havia participado quando jovem.
E como os jovens gostam de falar. Orgulhoso do movimento o estudante de arquitetura comenta sua repercussão: “em toda a Europa o movimento é notícia na TV e mesmo nos grandes jornais, tanto é assim que em Londres e em Paris já há acampamentos com o nosso.”. Realmente era grande o número de repórteres e de câmeras de TV pela praça. E o que é que vocês reivindicam? “Somos contra a corrupção, contra as eleições que ocorrerão amanhã na Espanha e contra os Bancos que nos esfoliam a todos.”, informou-me o estudante de enquanto terminava de fazer mais um cartaz, no qual ao lado de uma caricatura, chamava os políticos de filho de uma certa coisa.
Na tarde seguinte voltei à praça. Já mais descansado, me permiti enfiar-me na fila dos voluntários do dia e, face a possível dificuldade que teria em relação ao idioma, me escalaram para cortar pão para fazer sanduíches. Fui, então, conduzido até a barraca dos lanches onde havia uns cinco jovens voluntários e fui recebido, carinhosamente, com um avô. Cortei pão, separei queijo e conversei a tarde toda.
Na praça não se podia beber álcool, os namoros deveriam se limitar ao que se faz em público, todas as drogas proibidas, apenas o cigarro permitido. Às margens dos quiosques que existiam na praça foram marcadas com uma fita impedindo que se acampasse para não prejudicar o acesso do público aos seus serviços. Não sei de onde aparecia tanto pão, tanta água, tanto papel; os jovens, e a sua internet, conseguiram até banheiros químicos que foram colocados na praça.
O resumo do resumo: a Praça do Sol era uma verdadeira aula de cidadania e humanidade: alegre, respeitosa, colorida, barulhenta e silenciosa. E o sol, astro maior, sob um céu azul, iluminava até as nove horas da noite aquela imensidão de ternura, de afeto e de cidadania. Inesquecível.
No domingo as eleições ocorreram e o partido governista – o socialista PSOE – foi duramente derrotado pelo PP.
Na segunda voltei à praça a procura dos meus “netos” amigos e não os encontrei na barraca de sanduíches. Sofia, a minha amiga do dia anterior me viu e gritou: “Ei! Avô “padeiro” – é que eu, que no dia anterior havia ensinado aos “colegas” da barraca de como se fala e escreve padaria e padeiro em português, ganhei, em troca, o apelido de “avô padeiro”, não abuelo, vejam bem - estou hoje na barraca de comunicação, não quer ir lá para conversar um pouco?”, perguntou-me.

Claro que fui.
- “E o resultado das eleições, te chatearam?”, perguntei.

- “Não. Para nós, estudantes, quem quer que ganhasse seria a mesma coisa. São dois partidos que se revezam ambos com políticos corruptos, atrelados com os bancos, sem nenhuma ética e compromisso verdadeiro com as pessoas e com a coisa pública.”, respondeu serena e, a meu ver, com sinceridade a meiga Sofia.
- “E porque hoje você não está mais em nossa padaria?”, perguntei.
- “Todos nós, diariamente nos revezamos, mudamos de setor. Assim, ninguém fica perto ou seduzido por possíveis poderes. O poder corrói, pensamos, e tem que ser democraticamente distribuído. Acreditamos e praticamos isso. Concorda avô padeiro?”
Fiquei comovido. Não há como não concordar.
Na terça feira, no avião, de volta para casa me é oferecido um jornal; pego o El Mundo: fazia uns quarenta dias que não lia jornal. No El Mundo toda a Espanha se restringia às eleições que haviam acontecido no Domingo: eleições, eleições e eleições.
Folheio insistentemente e chego à página 18 onde um quarto de página era dedicado ao movimento dos estudantes. A foto de um jovem sonolento, abrindo a boca, encabeça a manchete: “El ocaso de Sol”. O texto, irônico, afirma que a “sede” da soberania nacional que havia se instalado na Puerta Del Sol estava em franco processo de desaceleração.
Triste e comovido recortei a página 18 do El Mundo com a foto do jovem sonolento.
Da janela do avião via que o sol, astro maior, brilhava sobre as nuvens que cobriam toda a Espanha.




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7 comentários:

Morales disse...

Uma história nostálgica e triste, contudo que deixa passar um raio de sol!

Natalia disse...

Parabéns, Orlando! Pela história e pelo bonito projeto pessoal realizado. Isso é tão estimulante! Beijão.

Orlando disse...

Olá Tonhão,
Vamos esperar pelo raio de sol!
Também tenho esperanças.
Grande abraço,
Orlando.

Orlando disse...

Oi Natália,
Obrigado pela visita ao blog e pelo generoso comentárioAbração,
Orlando.

Anônimo disse...

Querido Orlando! Como é bom ler e sentir suas histórias. Adorei! Somente aumenta meu projeto, sem data, de fazer a mesma caminhada. Abraço, Mauricio Pedro

Orlando disse...

Olá Maurício,
Muito bom saber de suas vvisitas no Blog.
Faça, sim,o Caminho de Santiago.
Abração em você e em toda a família.
Orlando.

Luiz Manuel disse...

Olá Orlando, olá a todos/todas...
Estou pensando em fazer o Caminho Português, saindo do Porto..
conselhos? Dicas? Poderiam me ajudar? Obrigado e bençãos do Apóstolo...Luiz Manuel, osasco-sp