terça-feira, 6 de dezembro de 2011

PLUTARCO E AS OVELHAS

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“O pensamento parece uma coisa a toa,

Mas como é que ele voa,

Quando começa a pensar”

Nesta caminhada pelo Caminho de Santiago conheci pelo menos dois velhos que, quando na ativa, tiveram como profissão ser pastor de ovelhas.

De um, o Sr. Pedro, hoje um velho gordo que produz lindos e poéticos cajados já falei. Teve um outro, agora “jubilado”, como gosta de dizer, mora atualmente em Madrid, mas pastoreou toda a sua vida na região de Catalunha.

No Caminho quando via ovelhas me lembrava destes dois pastores e como o “pensamento voa” vinha em meu pensamento uma história que tem pequenas ovelhas, meu irmão e um um primo distante em seu centro. Esta história ocorrreu quando eu era ainda menino, mas tem um outra história, com o mesmo tema, ou enredo, que li recentemente em algum livro.

Relembrar a história que se passou em minnha infância era fácil, bastava querer. Agora lembrar em qual livro eu havia lido uma história semelhante era mais dificil. Em qual livro? E eu passava, as vezes, manhãs, folheando em minha mente, livros e mais livros para descobrir em qual eu havia lido. Inventei uma brincadeira que era a de ir eliminando os livros que, com certeza, não foram neles que havia encontrado a história de pastores e ovelhas.

História de ovelhas e pastores?

“Será que foi em algum livro do Thomas Mann? Creio que não. Como a história que li ocorreu quando Roma era um império e dominava a Europa devo ter lido no Declíno e Queda do Império Romano de Edward Gibon. Será? Mas pode ser também que tenha lido no História da Vida Privada...sei lá”; o que sei é que passava partes da manhãs, ou das tardes, tentando, como um detetive, descobrir em que livro eu havia lido esta história.

Vou então aproveitar e contar a história que eu , de certa forma, presenciei.

Era uma tarde, quase noite quando chegou no sítio onde morávamos o Seu Chico Marangoni. Apeou de seu cavalo alazão, comprimentou o pai, a mãe, abençoou um meu irmão, seu afilhado, jantou conosco e logo depois, como era hora da Ave Maria, juntou-se a nós em volta do rádio de pilha e concentrado ouviu a Hora da Ave Maria na voz de Júlio Louzada, com direito, ao final, da Ave Maria de Gounod.

Logo depois da Ave Maria os mais velhos foram para a sala e os pequenos , com um simples olhar, mandados a dormir.

No ar, alguma novidade.

Não era tempo de visitas e o que viera fazer já ao fim do dia aqui em casa o Seu Chico e seu enorme bigode branco, que escondia, em parte, uma enorme verruga marrom escura na parte superior dos lábios e que o velho suavemente acariciava enquanto fumava seu cigarro de palha.

- “ E então compadre , que boas novas trouxe o senhor aqui em casa?”, pergunta o pai.

- “Assunto meio difícil de falar, compadre. Vamos esperar comadre ir para cama, melhor não ter mulher por perto.”, responde, com a voz grave de barítono, o visitante.

Minha cama, no quarto dos fundos, junto a meus irmãos foi oferecida ao visitante. Eu dormiria junto a meus pais no quarto ao lado da sala onde os dois conversavam.

Prometi a mim mesmo lutar contra o sono , não dormir e ouvir quieto, quieto, fingindo dormir, o assunto sério que nem mesmo minha mãe deveria ouvir para, glorioso, no dia seguinte acordar conhecedor da novidade contada em segredo a meu pai. E assim fiquei como uma estátua na cama, deitado no colchão de palha que denunciava qualquer movimento. Meu pai e Seu Chico assuntavam no prelúdio do principal falando de vacas, da colheita de café, da seca brava, do preço do arroz...

O sono forte cerrava, as vezes, meus olhos e eu acordava sobressaltado, medroso de ter perdido o assunto.

- “ Vamos ao assunto, compadre Chico. Podemos?”

- “Vamos sim. E o que ocorreu foi que Luizinho matou, juntamente com Roberto, um filhotinho de ovelha. E sabe porque, compadre? Imaginavam, os dois, que o filhote poderia ser filho de um deles ou dos dois: os mugidos do pequeno filhote, ao nascer, como depois me contou Roberto era por demais parecido com choro de nenê. “Chorava igual de criança humana, pai, e resolvemos que, por medo e vergonha do mal feito o melhor era mesmo matar o filhotinho. Madrugada, ainda escuro, carregamos o filhote até o córrrego e lá o matamos; depois de bem morto amarramos pedras em seu pescoço e jogamos no poço da curva da onça. Foi assim”, que me contou Roberto quando dei falta pelo filhote da ovelha no curral.”

- “Virge Maria. Bom mesmo que Dira não esteja a escutar. E sabe compadre que o Luizinho voltou para casa nas férias e não me disse nada.”

Explicando melhor: Luís, meu irmão, para poder estudar, morava , durante as aulas, na casa do Seu Chico, onde tinha, por perto, uma escola municipal. Tinha, à época, seus doze ou treze anos e alguns ralos fios de bigode e a voz misturando graves e agudos anunciavam mudanças no corpo e na mente.

Dormi.

Acordei me sentindo o rei do mundo. Sabia o que nem mesmo minha mãe sabia.

No curral pai, Luizinho e o retireiro Biba lidavam com as vacas e seus bezerros enchendo os tambores com seu leite quente e espumante.

- “Encha esta minha caneca de leite, Luizinho. E rápídinho porque tenho fome.”, fui dizendo, todo autoridade, a meu irmão.

- “Faça o favor do que?”, repondeu Luizinho.

- “Favor nada. Estou mandando: encha de leite, e com bastante espuma, esta caneca, senão eu conto para todo mundo que você matou um filhote de ovelha do Seu Chico.”, reagi trepado na táboa do curral apontando a caneca.

- “ Mariquinha enredeira de merda! Conte para quem você quiser sua mariquinha. Não vou tirar leite para você e pronto.”

Pai vem em meu socorro, enche minha caneca de leite e manda eu de volta para a cozinha. Enquanto a mãe limpava meu bigode de espuma de leite, choro e conto a ela o segredo que havia escutado, mas ela já sabia. “Luizinho já reparou o mal que fez: não se fala mais nisso”.

Passei a manhã ensimesmado: não conseguia estabelecerrr uma relação entre choro do bebê, o berro do filhote da ovelha e seu assassinato e menos ainda, como todos sabiam de um segredo que só eu e o pai deveríamos saber.

Esta foi a história.

Chegando do Caminho de Santiago fui à luta para descobrir em que livro eu havia lido uma oura história com enredo parecido. Manhãs foram dedicadas a tão nobre e importante missão: livros no colo, café quente na xícara.

Não, decididamente, não foi em Montanha Mágica.

Busquei e folheei o Declinio e Queda do Imério romando e nada: não foi o Gibbon que escreveu a história que tinha, como já disse, ovelha e pastor como personagem. Pesquisei, folheando, a História da Vida Privada – do Império Romando ao Ano Mil e também não foi lá que li.

Onde então?

Lembrei-me de um livro que li há tempos chamado Férias Pagãs. Foi neste livro que descobri que o “carinho” educativo de senhores por jovens não foi privilégio dos velhos gregos e, sim, uma prática comum entre os romanos. Só pode ter sido lá que li. E como fazia bastante tempo que eu havia lido o Férias Pagãs tive que quase que relê-lo totalmente para descobrir que seu autor, Tony Perrotttet, não foi o quem contou a história que eu teimava em descobrir.

O agradável em tão importante missão de descoberta foi a prazeirosa releitura de livros até esquecidos e empoeirados na estantante. Descobria neles novos emaranhados mas não a história. Estava a desisitir: “Ser detetive não é o meu forte. Já sabia que se eu fosse médico, arquiteto e manobrista de carro eu passaria fome. Aagora mais uma profissão que me deixaria a ver navios: detetive”, pensava.

E foi por puro acaso que nesta desordenada e desorganizada busca dei com um Borges à minha frente.

Café quente nos lábios e, no colo, O Livro dos Seres Imaginários, mais específicamente o conto O Centauro :

“Na Ceia dos Sete Sábios, Plutarco conta com humor que um dos pastores de Periandro, déspota de Corinto, levara para ele numa sacola de couro uma criatura recém-nascida que uma égua havia dado o a luz e cujo rosto, pescoço e braços eram humanos e o resto equino. Chorava como uma criança, e todos acharam que era um presságio terrível. O sábio Tales olhou para ele, riu-se e disse a Periandro que realmente não poderia aprovar a conduta de seus pastores.”